Intervalo entre diagnóstico e procedimento determinado para combater o câncer deve ser de 60 dias; contudo, média nacional ainda é de em 81 dias
Há cinco anos, uma lei entrou em vigor para delimitar um prazo máximo para o tratamento do câncer. No entanto, o Ministério da Saúde admitiu nesta quarta-feira (23) que a Lei 12.732 ainda é desrespeitada.
Os 60 dias esperados para que a tratamento do câncer seja iniciada ainda estão longe de fazer parte da média nacional, que é de 81 dias. Além disso, o tempo médio foi ampliado desde que a lei passou a valer: entre 2013 e 2017, o intervalo entre o diagnóstico e o procedimento determinado para combater o tumor passou de 79 para 81 dias.
Os tratamentos para câncer de próstata e de mama – o segundo e o terceiro tipos mais incidentes de tumores no Brasil, respectivamente – são os que mais apresentaram demora para além do prazo. O levantamento foi feito pela pasta, a partir de uma amostra de 500 casos analisadas pelos técnicos do ministério.
Os procedimentos com maior atraso são as cirurgias. Os estados com mais pessoas aguardando por terapia após os 60 dias são Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná. Atualmente, há 303 hospitais habilitados para atender pacientes com a doença.
A coordenadora-geral de Média e Alta Complexidade do ministério, Maria Inês Gadelha, apresentou, durante a audiência convocada pelo Ministério da Saúde para discutir a implementação da norma, um levantamento indicando que entre 2013 e 2017, o número de cirurgias de câncer aumentou 29%, enquanto a quantidade de radioterapias subiu 36% e o de quimioterapias, 46%.
No caso dos gastos federais, as verbas destinadas a tratamentos para a enfermidade foram ampliadas em 146% no mesmo período. A gestora credita essas variações ao número maior de procedimentos realizados, mas também ao preço maior cobrado por fornecedores e prestadores de serviço.
Sistema de informação
Para justificar a demora e a falta de cumprimento da lei, a dificuldade para monitorar o tempo de tratamento foi apontada. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), desde 2013 a pasta cobra do Ministério da Saúde a implantação de um sistema de gestão de informações sobre o tema. No mesmo ano, o órgão lançou o Sistema de Informação ao Câncer (Siscan). Contudo, o MPF ainda identifica problemas com o programa, como dificuldades na inserção das informações.
Em 2017, o MPF procurou o ministério para apresentar as inconsistências do sistema de monitoramento. O órgão prometeu apresentar soluções aos problemas apontados nos próximos meses.
Entretanto, representantes do Ministério da Saúde admitiram que o Siscan ainda tem informações insuficientes. O problema estaria na alimentação das informações pelos hospitais, medida que teria sido colocada como uma nova demanda sem contrapartida aos estabelecimentos.
Foi apresentado um projeto de atualização do sistema, que passaria a automatizar a alimentação de casos a partir de outras bases de dados do ministério, mas não há previsão de funcionamento.
Má distribuição
Especialistas participantes da audiência indicaram desigualdades grandes nas estruturas de combate ao câncer no território brasileiro como outro desafio a ser superado para que a norma seja cumprida.
O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) realizou auditoria em investimentos na aquisição de equipamentos empregados em diagnósticos e identificou centralização do repasse de verbas para estados do Sul e do Sudeste.
A coordenadora-geral de Auditoria na área de saúde da CGU, Carolina Palhares, citou como exemplo o programa de renúncia fiscal para aquisição destas máquinas, cujo funcionamento favorece hospitais que solicitam o benefício, não dando poder ao Ministério da Saúde de definir quais estabelecimentos e em quais municípios serão atendidos.
O Tribunal de Contas da União realizou avaliação da capacidade de gestão de secretarias estaduais em diversas áreas. Segundo Marcelo Chaves, representante do órgão no seminário, na atenção de média e alta complexidades (área onde são inclusas as ações de combate ao câncer), 74% dos estados foram identificados com índice de gestão em fase inicial, 26% na intermediária e nenhum na avançada.
O secretário de Saúde de Pernambuco, José Iran Júnior, pontuou que a desigualdade é ainda maior entre os municípios, muitos sem condições de realizar procedimentos de oncologia. “Diferença de uma secretaria estadual para secretarias municipais é gigante. Há dificuldade de profissionais no interior, que é coisa gritante. Temos 80% dos exames psicopatológicos ineficientes”, opinou.
Demora no diagnóstico
Na avaliação da procuradora Acácia Suassuna, não se pode esquecer que um dos obstáculos ao tratamento ainda é o tempo entre a consulta e o diagnóstico . “Existem caso de pessoas que passam seis, nove meses pra ter resultado da biópsia. Quando ela consegue, [a doença] está no estágio muito avançado. Precisamos avançar na prevenção e tirar este gargalo. Isso deve ser feito cobrando dos laboratórios serviço efetivo. Se eu pago por uma biópsia, ela tem que ser entregue rapidamente”, finalizou.