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Pesquisa revela que pacientes com câncer levam até um ano para chegar ao oncologista

17 de março de 2017

Foram quase 4 meses de desespero e muito medo. Exatos 117 dias aguardando o telefone tocar. O chamado para a consulta que nunca vinha. Entre a realização da biópsia, no Rio Imagem, e a primeira consulta com o oncologista no Hospital Federal de Bonsucesso, Kátia Regina Alves Moura, de 53 anos, chegou a acreditar que sequer teria a chance de lutar contra o câncer de mama.

Era 22 de fevereiro de 2016, quando a dona de casa da Penha conseguiu chegar a uma unidade de atendimento oncológico. Esse caminho, que começa ainda antes, no pedido para realização da mamografia, leva em média de dez a 12 meses para a maioria dos pacientes fluminenses, segundo pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Medicina (Cremerj), entre outubro e novembro do ano passado, após vistoriar as 19 unidades públicas e conveniadas ao SUS com serviço de oncologia no Estado do Rio.

No primeiro dia da série de reportagens “Um estado terminal”, o EXTRA revela com exclusividade dados dramáticos desse levantamento: 57% dos pacientes já têm diagnóstico no momento da internação. Desses, 42% tinham exames realizados há mais de seis meses e esperavam em casa, sem tratamento.

– Além de lutar contra a doença, você luta contra o tempo. Se o resultado da biópsia fosse mais rápido, se as lâminas voltassem mais rápido do laboratório, minhas chances seriam maiores. É angustiante – diz Kátia, que segue aguardando, agora, ser chamada para a radioterapia.

A espera por exames, como mamografia, endoscopias, tomografias, ressonâncias e biópsias, gera outro dado preocupante: 59% dos pacientes são internados com câncer em estágio avançado. Ainda assim, 21% dos pacientes não iniciam a quimioterapia logo após o diagnóstico confirmado.

Com o diagnóstico de câncer de mama nas mãos, Suely Martins Paes, de 57 anos, tinha crises de choro enquanto esperava ser chamada para iniciar o tratamento. Em julho de 2015, fez uma mamografia que apontou nódulos na mama. Em agosto, fez a biópsia. Um mês depois, recebeu uma folha de papel com o diagnóstico positivo e uma orientação: “espere”.

– Fiquei desesperada e minha família também. Tinha crises de choro. Até que marcaram a cirurgia para o dia 22 de fevereiro do ano passado. Neste dia, os funcionários do Hospital Mario Kröeff entraram em greve por falta de pagamento. Só fui operar no dia 3 de março, oito meses após a mamografia e seis meses depois do diagnóstico – lembra Suely.

Ao receber o resultado da biópsia do tumor retirado na operação, a dona de casa recebeu a notícia de que faria outra cirurgia. Em maio do ano passado, voltou a ser operada, para a retirada de todos os gânglios linfáticos da axila.

– A espera fez com que a cirurgia fosse mais extensa. A quimioterapia só começou três meses depois, em agosto. Essa etapa venci em 16 de dezembro do ano passado. Após mais dois meses de espera, em 13 de fevereiro, iniciei a radioterapia. Já fiz 17 das 25 sessões diárias. O que mata é a demora. Hoje, se descobrir logo e tratar rapidamente, é possível cortar o mal pela raiz. É muito triste ver pacientes chegando ao hospital já sem ter o que fazer – conta Suely.

Para o coordenador da pesquisa, o diretor do Cremerj Gil Simões, o levantamento deixou claro que a lei federal 12.732, de 2012, dificilmente é cumprida. A chamada Lei dos 60 Dias determina que os pacientes com câncer, atendidos pelo SUS, devem começar a ser tratados em até dois meses após o diagnóstico da doença.

– Essa demora vai reduzir ainda mais as chances desse paciente que tem uma doença potencialmente fatal. Os pacientes chegam muito graves aos hospitais, pois estão sendo encaminhados tardiamente. Isso indica que a saúde básica não está funcionando – alerta Simões.

Entrevistados para a pesquisa, os 19 chefes de serviço destacaram como principais problemas a reduzida estrutura para exames, o que gera grave demora na marcação e é imprescindível para o diagnóstico, além da longa espera pelos resultados, tendo como consequência o adiamento do início do tratamento.

– O atraso que o paciente enfrenta até conseguir realizar todos os exames necessários ocorre por vários motivos, como a falta de estrutura e de equipamentos nas unidades, a pouca oferta de leitos, entre outros. O problema é anterior ao atendimento pelo especialista – salienta Gil Simões.

Mas a demora continua mesmo depois da chegada aos serviços de oncologia. A pesquisa do Cremerj verificou que 27% dos hospitais que tratam câncer, chamados de unidades de alta complexidade, não têm tomógrafo. Desses, 80% afirmaram que a unidade de referência não é eficaz para absorver seus pacientes. Quase 80% desses hospitais não contam com ressonância magnética, sendo que 66% deles (10 das 19 unidades) não têm uma unidade de referência eficaz para encaminhar os pacientes.

O tempo de espera para marcação de tomografia gira em torno de 12 semanas. Depois, são necessárias mais duas para receber o resultado. Já para marcar uma ressonância, espera-se em média dez semanas. Em seguida, outras três para o laudo.

A falta de estrutura tem ainda outro efeito: pedidos de exoneração do serviço público. Neste último mês, dos sete oncologistas do Hospital Federal de Bonsucesso, restaram três.

– O chefe do serviço está afastado por problemas de saúde. Os médicos estão adoecendo porque não conseguem tratar os pacientes. É catastrófico o que está acontecendo no atendimento oncológico no Estado do Rio. Estamos perdendo a chance de curar. A situação é grave e esperamos que, a partir desse levantamento, os gestores da Saúde encontrem soluções para melhorar a assistência oferecida – afirma o presidente do Cremerj, Nelson Nahon.

No último dia 9, o Cremerj se reuniu com a Defensoria Pública da União, gestores dos 19 hospitais vistoriados, representantes do Ministério da Saúde e os secretários estadual e municipal de Saúde do Rio para estabelecer melhorias a serem implantadas. Uma nova reunião está marcada para o início de maio.

Em nota, o Ministério da Saúde respondeu que os seis hospitais federais no Rio (Bonsucesso, Andaraí, Cardoso Fontes, Ipanema, Lagoa e dos Servidores do Estado) ampliaram de 10% a 25% o atendimento a pacientes oncológicos (consultas e sessões de quimioterapia) de 2015 para 2016. Afirmou ainda que, nesta semana, as unidades estão completando um trabalho de redefinição do perfil assistencial e cirúrgico para ampliar ainda mais os serviços de tratamento do câncer.

A Secretaria estadual de Saúde informou que as unidades estaduais incluídas na pesquisa do Cremerj contam com estrutura adequada para atender a demanda oncológica que recebem. “O serviço de radioterapia é oferecido por prestadores públicos e por serviço contratado via chamamento público”, afirmou a secretaria, em nota, garantindo que, “atualmente, a marcação para a consulta de planejamento de radioterapia é feita com cerca de dez dias após a regulação”. A secretaria afirma ainda que o estoque de quimioterápicos está abastecido.

O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), no Fundão, afirmou que possui mais de 180 postos de trabalho de aposentados que não foram repostos, pois a unidade não tem autonomia para realizar novas contratações. “A falta de profissionais causa atrasos, atingindo a realização de exames e os atendimentos aos pacientes do SUS”, respondeu, em nota. A direção do Hospital do Fundão informou ainda que a “falta de pessoal atinge outros setores do hospital, que tem 22 leitos do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) e 40 de enfermaria parados por falta de médicos e enfermeiros”.

O Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, da UFRJ, informou que o tempo para o início do tratamento na unidade é de dois dias. Em nota, acrescentou que sua taxa de cura em casos de leucemia é de 80%. “Infelizmente, no momento, não possuimos um oncologista. Já solicitamos diversas vezes a abertura de concurso para o cargo, mas ainda não fomos atendidos”, relatou o instituto, alegando que o hospital não se enquadra nos parâmetros da pesquisa do Cremerj.

Confira a nota do Ministério da Saúde na íntegra:

Os seis hospitais do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro ampliaram de 10% até 25% o atendimento a pacientes oncológicos (consultas e sessões de quimioterapia) de 2015 para 2016 e estão completando nesta semana o trabalho de redefinição do perfil assistencial e cirúrgico para ampliar ainda mais os serviços de tratamento do câncer, uma demanda crescente entre a população do estado.

Os hospitais federais de Bonsucesso, Andaraí, Cardoso Fontes, Ipanema, Lagoa e dos Servidores do Estado realizaram 90.355 atendimentos oncológicos em 2016, 10,8 mil a mais do que no ano anterior, além dos atendimentos a pacientes com câncer nas emergências. O caso mais complexo é o do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), no qual, em média, 40% dos pacientes que dão entrada na emergência são pessoas com diagnóstico ou suspeita de câncer e já chegam ali em estágio avançado da doença.

Pela localização, com acesso fácil pela Avenida Brasil, a população da Zona Norte do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense tem recorrido de forma mais intensa ao HFB quando não encontra atendimento em outras unidades. Em média, 60% dos pacientes na emergência são provenientes de outras cidades. Devido ao aumento da procura de pacientes, o Instituto Nacional de Câncer (Inca), unidade do Ministério da Saúde integrada à rede de hospitais, passou a receber nas últimas semanas pessoas em tratamento quimioterápico no HFB. A medida emergencial visa desafogar o serviço aos pacientes oncológicos.

Além de oferecer serviços do SUS em seus seis hospitais e três institutos federais no Rio de Janeiro, o Ministério da Saúde repassou em 2016 para o atendimento de média e alta complexidade (que engloba hospitalizações e tratamentos de câncer, por exemplo) os valores de R$ 3,99 bilhões ao estado, o responsável por esse tipo de serviço, e mais R$ 3,09 bilhões ao município, o gestor pleno da Saúde no Rio.

Confira a nota do Hospital do Fundão:

O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) informou que possui mais de 180 postos de trabalho de aposentados que não foram repostos, pois a unidade não tem autonomia para realizar novas contratações. A falta de profissionais causa atrasos na realização de exames e nos atendimentos aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

A unidade informou ainda que a falta de pessoal atinge outros setores do hospital, que tem 22 leitos do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) e 40 de enfermaria parados por falta de médicos e enfermeiros.

Confira a nota do Instituto de Pediatria da UFRJ na íntegra:

Os pacientes chegam ao IPPMG via regulação do Estado com vários exames pendentes, os quais acabamos realizando no hospital. Segundo uma portaria do Ministério da Saúde, o paciente precisa começar a ser tratado em até 60 dias. Nosso RHC, Registro Nacional de Câncer, ligado ao Núcleo de Vigilância Epidemiológica Hospitalar, mostra que o tempo para o início do tratamento no IPPMG é de dois dias. Além disso, temos uma taxa de 80% de cura em casos de leucemia. Infelizmente, no momento, não possuimos um oncologista. Já solicitamos diversas vezes a abertura de concurso para o cargo, mas ainda não fomos atendidos.

O IPPMG possui, ainda, a habilitação Unacon, Unidades de Assistência de Alta Complexidade, do Ministério da Saúde. Possuem essa habilitação as unidades hospitalares que reunem condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados à prestação de assistência especializada de alta complexidade para o diagnóstico definitivo e tratamento dos cânceres mais prevalentes. Sendo assim, acreditamos que o IPPMG não se enquadra nos parâmetros da mencionada pesquisa.

Fonte: Extra, 16/03/2017

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