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No SUS em Brasília, mamografia é privilégio de poucas

30 de março de 2017

Número de exames despencou na mudança de governo local: caiu de 52 mil para 7,6 mil em um ano

 

“Eu nunca fiz, nem sei direito o que é. As mulheres da minha família também jamais passaram por um procedimento desses, inclusive as mais velhas. Minha mãe mesmo morreu sem ter noção do que é uma mamografia”.

A carência de prevenção não é exclusividade da catadora Rosemeire Jesus Rodrigues, responsável pelo relato acima. Pelo contrário, os últimos anos foram marcados por uma queda expressiva de exames realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em especial no DF, segundo informa a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM). O número diminuiu inclusive entre as mulheres na faixa etária de risco.

Comparado ao restante do País, os dados da capital refletem um cenário ainda mais preocupante porque, antes, apresentava uma curva de crescimento. De acordo com a SBM, em 2013, a cobertura mamográfica no DF foi de 14,2% e subiu para 16% em 2014. Já no ano seguinte, apenas 1,5% das mulheres fez o procedimento – situação pior do que no o Acre (6,1%) e Amapá (3,9%). Isso significa que, enquanto 52 mil exames foram realizados em 2014, houve apenas 7,6 mil em 2015.

Conscientização zero

Aos 30 anos, a catadora Rosemeire é a prova de que, apesar de ainda não ter alcançado a faixa etária de maior risco, falta conscientização. “Eu assumo que não tenho essa preocupação. Nunca fiz nada na mama, nem uma ecografia simples. Aliás, aqui em casa quase não falamos sobre câncer. Acredito que falta divulgação nas áreas mais pobres. Eu mesma só tinha ouvido falar de mamografia na televisão. Por isso, nunca fiz questão de ir atrás”, declara a moradora da Estrutural, mãe de cinco filhos.

Para ela, a falta de estrutura na rede pública de saúde contribui. “Os aparelhos vivem quebrados e dificilmente eu consigo um médico para me atender quando estou doente. Sabe quando vou conseguir fazer um exame de prevenção? Nunca. Ontem mesmo, fui ao hospital do Guará e saí mais de quatro horas depois”, lamenta.

Os motivos apresentados pela catadora são comprovados pelos especialistas da SBM. Segundo eles, existem 12 mamógrafos no DF, que seriam suficientes para realizar 120 mil exames por ano pelo SUS, caso funcionassem com técnicos e médicos radiologistas suficientes. Entretanto, há carência de profissionais, que, no geral, priorizam as emergências com tomografias e ressonâncias, cortando a agenda de mamografias ao longo do ano. Ou seja, em 2015, os aparelhos ficaram praticamente parados.

“O rastreamento praticamente zero ainda se depara com a situação caótica enfrentada pelas pacientes que já apresentam algum tipo de patologia. Não tem radioterapia, a fila da quimioterapia é enorme e seriam necessários hoje 28 mil exames de mamografia diagnóstica. Porém, o DF só produziu 7,5 mil ao todo”, completa a Sociedade Brasileira de Mastologia.

Já os números de 2014 são atribuídos à terceirização de um serviço de unidades móveis, as Carretas da Mulher, cujo contrato não foi renovado no ano seguinte. Esse serviço ajudou a aumentar o número de exames e as mulheres não precisavam de pedido médico. Por outro lado, após receber o laudo, não tinham acompanhamento para diagnóstico e tratamento, caso fosse necessário.

Doença é silenciosa e traiçoeira

Diagnosticada com câncer de mama em julho passado, a dona de casa Joselita da Silva Coelho, 53 anos, alerta para a importância da prevenção. “Eu descobri durante uma revisão anual. Havia dois anos que não fazia mamografia. Apareceram microcalcificações e tive que retirar toda a mama esquerda e a região da axila. Descobri no início e, ainda assim, passei por cirurgia e terei de tomar remédio durante cinco anos por precaução. Graças ao diagnóstico precoce, não precisei fazer quimioterapia nem radioterapia”, conta.

A dona de casa ressalta que não esperou sentir qualquer mal-estar para fazer o checape. “O câncer de mama não apresenta sintoma. Eu não sentia dor, também não percebia alteração ao tocar nos seios. Tinha vida normal. Inclusive, fui à academia um dia antes de descobrir. Por isso, faço um alerta para as mulheres fazerem um acompanhamento com frequência. Não pode ter descuido com a saúde”, acrescenta Joselita. Ela vai retirar a mama direita por prevenção.

Mamógrafos quebrados

Ano passado, o cenário também não estava favorável para a prevenção. Conforme informa o gerente de Física Médica da Secretaria de Saúde, André Silva, dez mamógrafos chegaram a ficar quebrados ao mesmo tempo no DF. “De fato, Isso teve um impacto grande, mas a nossa expectativa para este ano é a melhor possível. Em 2016, estávamos com os contratos de manutenção suspensos. Hoje, temos apenas um desses sem funcionar, em Taguatinga”, declara.

De acordo com a pasta, neste mês, a oferta aumentou 35,47%. Enquanto em janeiro e fevereiro foram disponibilizadas 3,5 mil vagas, em março, 5.452 mulheres tiveram a oportunidade de realizar o procedimento. “Os equipamentos que têm contrato de manutenção foram consertados com a chegada das peças, todas importadas. Os demais são consertados por meio de contrapartida. Ou seja, instituições de ensino que têm alunos residentes ou estagiários pagam pelo conserto”, completa Silva.

Ponto de vista

Para o ginecologista e obstetra Cláudio Albuquerque, a diminuição de mamografias no DF tem duas causas principais: o sucateamento da rede pública e o aumento da faixa etária de risco, de 40/45 para 50 anos, conforme portaria do Ministério da Saúde. “Os hospitais estão cheios de aparelhos, mas, quase sempre, todos quebrados”, diz. Como consequência, o médico detalha a realidade dos pacientes que procuram seu consultório. “Hoje em dia, atendo muitos casos de câncer em estágio avançado. Ou seja, diagnósticos sem nenhuma chance de cura. Nos resta apenas fazer um tratamento paliativo. Quando eu pergunto para a paciente a última vez em que ela fez uma mamografia, a resposta é sempre mais de três anos, por falta de médico na rede pública”, relata.

Albuquerque alerta para a importância da prevenção. Segundo ele, a partir dos 50 anos ou com casos na família, o exame se faz necessário anualmente. Entre 40 e 50 anos, o procedimento pode ser feito a cada dois anos. Antes disso, o ginecologista também recomenda pedir uma ecografia da mama. “O controle precisa ser rigoroso. As mulheres precisam acreditar que o diagnóstico precoce aumenta muito as chances de cura”, conclui.

Saiba mais

Segundo a Secretaria de Saúde, foram abertas novas vagas para a realização de mamografias nos hospitais de Santa Maria, Gama, Paranoá e Materno Infantil. Além disso, seis equipamentos estão em funcionamento nos hospitais de Samambaia, Asa Norte, Taguatinga, Ceilândia, Sobradinho e no Centro Radiológico de Taguatinga. Em cada um deles podem ser feitos entre 400 e 600 exames por mês, dependendo da quantidade de profissionais para manusear o equipamento.

De acordo com a pasta, dois aparelhos permanecem quebrados e aguardam a chegada de peças – importadas do Japão – para conserto. Um deles voltará a funcionar em breve no Centro Radiológico de Taguatinga, o outro, localizado no Hospital da Asa Norte, deverá ser cedido ao Hospital Regional do Guará tão logo termine a reforma da unidade.

Fonte: Jornal de Brasília, 27/03/2017

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