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Dificuldade de acesso aos novos tratamentos contra o câncer de mama metastático

29 de outubro de 2015

Pacientes com câncer de mama metastático recorrem à justiça como última alternativa para acessar tratamentos modernos que garantem mais qualidade de vida. Sandra é uma delas e passou por mais de seis meses de disputas judiciais para conseguir seu medicamento.

Marias
(Foto: Rico Noschang)

No final de fevereiro, quando os veranistas dão os últimos retoques na casa da praia antes do encerramento das férias, a professora Sandra da Silva resolveu plantar três pequenas mudas de flor em seu quintal. Há dias ela sentia o corpo sendo tomado por um incômodo persistente, mas a ficha só caiu quando uma forte dor a impediu de levantar sozinha depois da jardinagem. Naquele momento, ela teve certeza que o câncer estava de volta.

Ela já havia enfrentado um tumor agressivo que tomava conta de boa parte da mama quando foi detectado. Este câncer entrou em remissão, mas sua história não terminou por aí. No dia em que intuiu que a doença havia retornado, ela reuniu a família e foi para Porto Alegre antecipar os exames de sua revisão periódica que estava agendada para dali a três meses. Depois da bateria de testes, Sandra entrava no consultório de sua médica com o peito apertado para receber os resultados. O diagnóstico foi câncer com metástase pulmonar. “Apareceram muitos nódulos nos dois pulmões e eu senti meu mundo cair de novo”, conta. Aos 51 anos e depois de uma saga vitoriosa, lá estava ela cara a cara com a doença novamente.

Desta vez, o novo tratamento, iniciado em março, envolve três medicamentos em uma combinação de quimioterapia e terapia alvo. “Essa é a primeira escolha entre os principais tratamentos modernos no caso da Sandra, mas existem outras opções que dependem do tumor de cada paciente”, explica a oncologista Daniela Dornelles. Conforme estudos recentes, tratamentos como as terapias alvo têm apresentado aumentos significativos na qualidade de vida e na expectativa de sobrevida de pacientes com câncer de mama metastático. No caso do tratamento indicado para Sandra, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece apenas o primeiro remédio da tríade, a quimioterapia. Com o plano de saúde, ela teve acesso ao segundo. Mas, para garantir o terceiro medicamento, foi preciso recorrer à justiça.

Apesar dos avanços significativos nessa área da medicina, nenhuma nova terapia para o câncer de mama metastático é incluída na rede pública de saúde há mais de uma década. Em busca dessas drogas, muitas mulheres encaram um longo caminho judicial. Como consta na Constituição Federal, o direito à saúde é um direito fundamental e um dever do Estado. O trecho dá embasamento para que pacientes busquem os medicamentos por meio de ações judiciais. Mas, como a Constituição não especifica o que é de responsabilidade pública ou não, nem sempre a demanda é aceita pela Justiça. “Em relação ao câncer de mama, a maior demanda no judiciário continua sendo o pedido de medicamentos”, comenta a advogada Maria Cristina Franceschi. A saúde como um todo sofre com a judicialização. Atualmente, cerca de 393 mil processos correm nos tribunais brasileiros com solicitações de acesso a diversos procedimentos médicos não oferecidos pelo SUS.

Mesmo em um estágio avançado do câncer de mama, as pacientes precisam se envolver nesse tipo de empreitada para receberem os medicamentos adequados, o que acaba sendo bastante desgastante. “Um processo judicial posterga o início do tratamento, deixando a paciente emocionalmente mais sobrecarregada e aumentando muito o nível de estresse”, destaca Daniela. Conforme a pesquisa global Conte-nos, Conheça-nos, Junte-se a Nós, 92% das pacientes brasileiras com câncer de mama avançado precisam adaptar seus gastos por conta da doença. Receber o diagnóstico do câncer de mama já causa um impacto direto na vida das pacientes. Em estágio avançado então, aumentam as consequências da doença e também a urgência por um tratamento eficiente.

Com Sandra, o processo até a conquista da primeira liminar que garantiu uma dose do medicamento durou seis difíceis meses. “Foi um sofrimento muito grande ficar a mercê da justiça para conseguir o tratamento. Eu sei que é caro, mas é meu direito e eles tinham me negado”, desabafa a paciente. Pelo alto custo, muitas mulheres acabam nem entrando na justiça por acreditarem que não é dever do setor público fornecer as medicações. “Às vezes, as pessoas ficam constrangidas de mover um processo, mas o governo não está fazendo um favor. É um direito de todos nós”, afirma Maria Cristina.

A Femama não acredita que a judicialização seja uma boa alternativa para solucionar o problema da dificuldade de acesso a tratamentos, pois ela desgasta uma paciente já fragilizada, além de sobrecarregar os tribunais e o sistema público de saúde. Entretanto, a Federação acredita que seja uma ferramenta necessária para que mulheres com câncer de mama metastático tenham acesso aos tratamentos mais modernos e adequados enquanto o SUS não os disponibiliza. O ideal é que esse direito seja assegurado a todos para que a judicialização deixe de ser um caminho inevitável.

Até agora, Sandra recebe a droga para seu tratamento recorrendo às liminares. Apesar de tudo, sua alegria contagiante não a deixa ser assombrada pelo medo de não ter a próxima dose. “Hoje eu me sinto no processo para vencer a doença mais uma vez”, confia. As mulheres que enfrentam essa doença podem e merecem viver com qualidade. Elas precisam ter acesso aos tratamentos mais modernos e adequados. Esse é um direito de todas as Marias, para quem a Sandra deixa um recado. “Tem muita vida depois do câncer!”

 

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