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Brasil precisa discutir a notificação compulsória do câncer

8 de dezembro de 2016

Decisões médicas devem ser tomadas baseadas em evidência e informação. Quanto mais informação melhor. Os gestores de saúde também deveriam se valer da mesma lógica: conhecer o cenário das doenças é imprescindível no processo decisório que envolve a saúde pública, especialmente na oncologia. Para atender à população da melhor forma possível, os gestores precisariam se basear em informações como quantos são os pacientes oncológicos atendidos em sua região, onde eles estão, e se estão sendo tratados, quantos leitos de hospitais seriam necessários, entre outras. Se houvesse a obrigação de uma notificação compulsória dos casos de câncer como ocorre com a Aids, a malária e a tuberculose, o governo poderia se valer dos dados coletados para uma alocação mais eficiente da verba da saúde.

Atualmente, nosso país traça estratégias de controle e detecção precoce do câncer com base em informações insuficientes. Como consequência, temos leis que asseguram direitos de pacientes que, mesmo após anos de vigência, não são plenamente implementadas para quem realmente precisa. Um exemplo é a Lei dos 60 dias (12.732/12), que institui o início do tratamento oncológico em no máximo 60 dias após a confirmação do diagnóstico.

O monitoramento da lei planejado em 2012 pelo governo seria por meio do Sistema de Informação do Câncer (Siscan). Nos últimos três anos, até abril de 2016, foram registrados nesse Sistema apenas 27 mil casos de câncer, ou seja, menos de 10% dos 596 mil novos casos esperados anualmente, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA). Pior que isso, apenas cerca de 57% dos pacientes registrados iniciou a terapia dentro de dois meses, segundo o próprio Ministro da Saúde. E de nada adianta existir a lei se não houver um repasse financeiro para que as instituições que atendem os pacientes possam atuar com mais eficiência.

A Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e suas 60 ONGs associadas em todas as regiões do país lideram uma luta constante pela garantia de um acesso ágil e adequado a diagnóstico e o tratamento oncológico. No cenário em que vivemos, a discussão de um registro compulsório do câncer se tornou pauta importante, e é imperativo que os governos federal e estaduais busquem estratégias para mudar a situação e tirar o combate ao câncer da escuridão.

Foi com essa motivação que a Femama e suas ONGs associadas realizaram mobilização nacional em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Câncer, comemorado em 27 de novembro. A ação simultânea aconteceu em 14 estados brasileiros, com as ONGs indo até as Assembleias Legislativas de cada estado para entregar aos deputados ofícios em defesa da adoção do registro obrigatório do câncer e se colocando à disposição do Legislativo para auxiliá-los na elaboração de projetos de lei estaduais para regulamentar o tema.

A notificação compulsória é o primeiro passo para a operacionalização eficiente de políticas oncológicas baseadas em dados técnicos e parâmetros pré-definidos. A adoção da obrigatoriedade em âmbito nacional é apontada como uma medida importante na luta contra o câncer. Além do Governo Federal, que ainda não realiza o registro compulsório, cada estado individualmente também pode adotar a medida local. Isso possibilitaria que cada unidade federativa aperfeiçoasse os serviços e ações na assistência ao paciente de câncer, possibilitando melhor equalização orçamentária e a idealização de alternativas originais para ampliar o acesso.

Durante a ação realizada pela federação e suas ONGs associadas, deputados estaduais firmaram compromissos de levar para pauta das Assembleias Legislativas projetos de lei que pedem a adoção do registro obrigatório e também de agendar audiências públicas para discutir a proposta. Saliento que o ministro da Saúde, Ricardo Barrios, concordou com a importância da adoção do registro compulsório dentre outras pautas prioritárias para a oncologia defendidas pela Femama em reunião realizada em setembro.

Também é com essa mesma motivação que essas instituições continuarão mobilizadas pela garantia dos direitos conquistados aos pacientes e sua ampliação, assim como por um sistema de saúde que deixe de lado a miopia e encare a luta contra o câncer. No Dia Nacional de Combate ao Câncer, propusemos que as decisões que envolvam os pacientes oncológicos brasileiros sejam tomadas com base em conhecimento e informação, assim como fazem os médicos empenhados em salvar as vidas diante de si.

 

Artigo escrito pela Dra. Maira Caleffi

Publicado no Correio Braziliense de 08/12/2016

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