Em 2016, quase 58 mil mulheres enfrentarão o câncer de mama no Brasil, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA). Conforme o Tribunal de Contas da União, cerca de 50% dos casos diagnosticados no Sistema Único de Saúde (SUS) são descobertos em estágio avançado. Além disso, estima-se que 30% das pacientes diagnosticadas evoluirão para a fase metastática da doença, quando o tumor atinge outros órgãos.
Tornar o diagnóstico precoce acessível a mais mulheres é medida fundamental para virar esse jogo. Mas existe outra realidade essencial a ser modificada: o acesso a novos tratamentos para câncer de mama metastático. Nessa fase, tratamentos específicos fazem toda a diferença no controle da doença, prolongando a vida com mais qualidade. Porém, há mais de dez anos, nenhum novo medicamento é adotado pelo SUS para atender a essa demanda. Assim, quando há metástase, as pacientes da rede privada podem viver até três vezes mais tempo do que as usuárias da rede pública.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) determina a Lista Modelo de Medicamentos, como parâmetro global para a oferta mínima aos pacientes com câncer. O trastuzumabe, por exemplo, medicação utilizada contra um tipo de câncer de mama, integra a lista. O Brasil, na contramão, o fornece para combater o câncer de mama metastático apenas na rede privada de saúde. Outro exemplo de tratamento inovador para combater a doença nessa fase também contemplado apenas na rede privada do país é o everolimo, cujos estudos clínicos demonstram maior sobrevida sem progressão da doença e mais qualidade de vida. Existem muitas outras drogas inovadoras para tratar casos de melanoma e câncer de pulmão, por exemplo, que não são disponibilizadas no SUS.
Aos pacientes com indicação de tratamentos indisponíveis na rede pública, resta a judicialização. Saída que, além de não promover acesso igualitário à saúde, provoca desgaste emocional, espera e incerteza. Ações judiciais trazem desequilíbrio financeiro ao sistema de saúde, pois medicações são adquiridas uma a uma, mais caras do que se o governo optasse por fornecer os tratamentos a muitas pacientes que necessitam.
Precisamos enfrentar o problema com coerência na gestão pública e mais respeito aos cidadãos. As definições de políticas para o controle de doenças são determinadas pelo cálculo de custo-efetividade, que avalia os efeitos sobre a saúde em relação ao total de recursos investidos. Entretanto, por que os tratamentos não se provam custo-efetivos no Brasil, enquanto o são considerados por sistemas de saúde de outros países, por vezes até com menos renda per capta que o nosso? A vida de pacientes brasileiras com metástase vale menos?
Há 10 anos, na busca por acesso ágil e adequado ao diagnóstico e tratamento do câncer de mama no país, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) propõe algumas medidas: o registro compulsório dos casos de câncer no Brasil, para permitir mais clareza sobre o cenário da doença e melhorar a gestão de recursos; o aumento de recursos destinados à oncologia, diante do crescimento do número brasileiros dependentes do SUS neste cenário econômico; a criação, na Câmara dos Deputados, de uma subcomissão especial de oncologia; e a revisão da Lei nº 12.401/2011, que criou a Conitec. A pergunta que devemos enfrentar como sociedade é: quanto estamos dispostos a investir para manter viva uma mulher com câncer de mama metastático?
Artigo escrito pela Dra. Maira Caleffi