Dados de 2008 do Projeto Amazonas, do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAN), apontam que a rede pública de saúde recebe mais mulheres com câncer de mama em estágios avançados do que em estágios iniciais, proporção que se inverte na saúde privada. Isso pode refletir problemas no acesso ao diagnóstico precoce na rede pública, bem como a demora para iniciar e dar continuidade a todas as etapas do tratamento. Além disso, o tempo de vida livre de progressão da doença é maior em pacientes tratadas em hospitais privados do que pacientes da rede pública, ou seja, as mulheres acompanhadas pela rede conveniada conseguem conviver por mais tempo com a doença sem que ela avance.
Outro problema importante apontado é a falta de acesso a medicamentos de última geração, especialmente para pacientes com metástases (estágio mais avançado do câncer de mama, que ocorre quando o tumor atinge outros órgãos do corpo). Apesar dos avanços da medicina, tratamentos que mudaram a forma de se tratar o câncer de mama ainda não estão disponíveis na rede pública para pacientes em estágio metastático. As terapias-alvo são um exemplo disso. Medicamentos desta classe atacam prioritariamente as células cancerosas, resguardando as saudáveis, e, com isso, reduzem os efeitos colaterais, além de apresentarem resultados mais precisos para cada tipo de doença.
Diferentes tipos de câncer
Existem variados tipos de câncer de mama, que se diferenciam entre si pelas características dos tumores. O primeiro tipo é causado pela presença de receptores dos hormônios femininos estrógeno e progesterona; o segundo, pela super expressão da proteína HER2 na formação do tumor; o último, conhecido como triplo negativo, é caracterizado pela ausência de receptores hormonais e de hiperexpressão da proteína HER2. Assim, três mulheres com câncer de mama podem ter células cancerígenas muito diferentes entre si e necessitar de terapias específicas para o seu tipo de doença para obter um resultado mais efetivo. Em alguns casos, o uso de tratamentos específicos pode minimizar a velocidade de progressão do tumor e reduzir o impacto dos efeitos colaterais sobre a paciente, prolongando o tempo de vida com mais qualidade.
“Quando a paciente tem câncer de mama metastático, tratamentos mais específicos podem fazer toda a diferença para o melhor controle da doença. Porém, neste estágio ela não tem acesso a nenhum tratamento inovador por meio da rede pública de saúde. Há mais de dez anos nenhum novo medicamento foi incluso no SUS para elas.”, explica Dra. Maira Caleffi, presidente voluntária da Femama.
O tempo de vida de pacientes com metástase tratadas no sistema privado é cerca de 5 vezes maior em comparação àquelas atendidas pelo SUS. Isso mostra que o sistema público de saúde, apesar de ser eficaz na maioria dos tratamentos de câncer, ainda não é o ideal no tratamento do câncer de mama metastático.
Alternativas discutidas
Thiago Turbay, assessor de relações governamentais da Femama, explica que, apesar do SUS incorporar procedimentos em âmbito federal a partir da indicação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), órgão do Ministério da Saúde, os estados têm competência legal para decidir sobre o fornecimento de tratamentos para seus cidadãos. É permitido a eles buscarem fontes de financiamento e parcerias para que novos medicamentos sejam ofertados na rede local, desde que estes apresentem evidências científicas para tanto. Thiago também alerta para o coeficiente de compra governamental, quando alguns medicamentos são isentos de tributos, o que reduz o custo em cerca de 40% do valor original.
Em muitos casos, conceder o acesso a todos é mais proveitoso para o Estado do que arcar com os custos de ações judiciais de pacientes que buscam aquisição a tratamentos não inclusos na rede pública. De 2012 a 2014 os gastos de judicialização aumentaram 129% no país.
Os debates tiveram a finalidade de conscientizar os parlamentares e Secretaria Estadual de Saúde sobre a necessidade de acesso a tratamentos mais modernos no SUS para que as pacientes possam viver mais e melhor. Segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), este ano quase 58 mil mulheres serão diagnosticadas com câncer de mama no Brasil, das quais mais de duas mil mulheres somente no estado do Ceará. As principais mensagens discutidas foram:
Tratamentos que deveriam estar disponíveis no SUS, mas não estão
A mortalidade por câncer de mama é proporcionalmente maior no Brasil do que em países desenvolvidos. Entre os motivos estão níveis de educação, realização de diagnósticos tardios, dificuldade de acesso ao sistema de saúde e a falta de tratamentos de última geração, especialmente para pacientes com metástases.
É possível adiar a progressão da doença com o uso de tratamentos inovadores e com isso prolongar e garantir melhor qualidade à vida de pacientes com câncer de mama. Esses tratamentos, no entanto, não estão disponíveis na rede pública para mulheres com câncer de mama metastático.
As pacientes de câncer metastático são econômica e socialmente ativas e precisam de acesso aos tratamentos adequados para terem condições de permanecerem assim.
A discussão para melhorar esse cenário deve incluir todas as partes envolvidas no processo: administração pública e gestores da saúde suplementar, sociedade civil organizada/pacientes, sociedades médicas e indústria farmacêutica.
A pergunta que devemos enfrentar como sociedade é: quanto estamos dispostos a investir para manter viva uma mulher com câncer de mama metastático?
O desafio para incorporação de novas tecnologias pelo SUS
A criação da Conitec representou um avanço para o processo de incorporação de novas tecnologias, entretanto ainda persistem algumas questões que necessitam de um melhor alinhamento.
É importante que a Conitec e outros órgãos reguladores consultem a sociedade civil sobre a incorporação de novos medicamentos na rede pública de saúde.
A transferência de tecnologia por meio de parcerias público-privadas (PPPs) é uma alternativa para incorporação de medicamentos a custo mais baixo, possibilitando que as pacientes tenham acesso aos tratamentos.
As definições de políticas para o controle de doenças são determinadas pelo cálculo de custo-efetividade, que avalia os efeitos sobre a saúde em relação ao total de recursos investidos. Se essa relação não for suficientemente alta, sua implementação não ocorre. Entretanto, há uma precificação correta, ou uma análise de custo-efetividade por parâmetros razoáveis, ou a decisão é estritamente política?
Pacientes tratadas em instituições públicas têm sobrevida inferior a das pacientes atendidas por instituições privadas.
Mais de 60% das brasileiras afirmam que o câncer de mama avançado interfere em seu trabalho de forma a reduzir sua renda e mais de 80% das brasileiras afirmam ter sua qualidade de vida comprometida por conta da doença.
A Realidade do Paciente Usuário do Sistema Único de Saúde (SUS)
A burocracia estatal não deve prejudicar o direito à vida, sendo o tempo fator determinante e essencial para o êxito no tratamento do câncer.
Solicitações de protocolos experimentais são grande minoria entre as demandas de judicialização da saúde. Ou seja, a maioria dos processos de judicialização são para tratamentos já registrados pela Anvisa.
Se o médico prescreve uma droga para o tratamento da paciente com câncer de mama, mas a CONITEC não indica a incorporação do mesmo medicamento no rol do SUS, o que vale mais? Precisamos respeitar e valorizar a prescrição médica individual e com isso a vida das pessoas.
O mesmo Governo que aprova um medicamento para a saúde suplementar, reprova o acesso ao mesmo medicamento no SUS. Essa é uma forma de discriminação. Por isso os casos de judicialização aumentam tanto no Brasil.
Competências do Estado no Acesso ao Tratamento do Câncer (SUS)
Qualquer pessoa física, pessoa jurídica titular de direitos, Estados e Municípios, organizações e associações podem solicitar a incorporação de medicamentos no SUS, desde que observados os critérios técnicos do pedido. Esse é um direito estabelecido pela Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011.
O estado e os municípios podem oferecer tratamentos e procedimentos inovadores para os pacientes da sua rede conveniada que não são ofertados pelo SUS, desde que haja pactuação com os gestores por meio da Comissão Intergestores Bipartite (estado) e do Conselho Municipal de Saúde (município).
O estado e os municípios têm poder de decisão no Plenário da Conitec. Os estados são representados por um membro do Conselho Nacional de Secretários de Saúde Estaduais (Conass) e os municípios pelos representantes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde Municipais (Conasems).
O evento integra o projeto da Femama vencedor do edital internacional Sparc (Semeando Progresso e Recursos para a Comunidade do Câncer: Desafio Câncer da Mama Metastático, em português), promovido pela União Internacional do Controle do Câncer (UICC).
Sobre a Femama
A Femama – Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama – é uma entidade sem fins econômicos que concentra uma rede de 59 instituições ligadas à saúde da mama, presentes em 17 estados brasileiros e Distrito Federal, representando mais de 1 milhão de cidadãos. A instituição busca reduzir os índices de mortalidade por câncer de mama no Brasil, lutando por políticas públicas que garantam maior acesso e qualidade no diagnóstico e tratamento da doença. Em novembro de 2015, foi eleita titular para uma das composições do Segmento de Patologia do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Mais informações no site: www.femama.org.br
Foto: Saulo Grandino